Na cordilheira de 500 quilômetros que atravessa os Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro registra-se o oitavo índice mais rico em biodiversidade do mundo. A região também tem a maior reserva de água mineral do planeta, ao lado de um dos climas mais puros. “Podemos dizer que a Amazônia é um container cheio de pérolas enquanto a Serra da Mantiqueira é uma caixinha repleta de diamantes”, afirma José Roberto Manna de Deus, coordenador técnico do Projeto Águas da Mantiqueira, que traz um levantamento detalhado da riqueza de parte desse território feito de florestas, rios encachoeirados e muita vida. O diagnóstico com informações sobre a biodiversidade e os recursos hídricos da área pertencente ao município de Santo Antonio do Pinhal, além de propostas para o seu desenvolvimento sustentável, foi entregue na última segunda feira (21/08) ao prefeito da cidade, Clodomiro Correia de Toledo Jr. O estudo recebeu o financiamento da Fundação Toyota do Brasil, com parceria da FUNDEPAG, entidade ligada à educação, pesquisa e conscientização ambiental.
Por Liane Alves
Durante 15 meses, 30 especialistas nas áreas de Biodiversividade (que inclui campos como o da zoologia, botânica, estudos dos insetos e microorganismos, por exemplo), Resíduos Sólidos e Esgotos, História Ambiental e Ocupação, ou Recursos Hidrícos, entre muitas outras, reuniram informações preciosas sobre a zona urbana e rural de Santo Antônio do Pinhal, que fica encrustada nas encostas da Serra da Mantiqueira a apenas 16 quilômetros de Campos do Jordão (SP). Estiveram também envolvidos a prefeitura da cidade, integrantes da Câmara Municipal e entidades civis, como a Associação de Produtores Rurais (Aprusap), Associação Comercial e Turística (Acasap) e a Associação dos Amigos Pró Santo Antonio do Pinhal, ou Pró-Pinhal. Heinz N. Thielemann foi eleito, por voto unamine, Presidente do Conselho local do Projeto Águas da Mantiqueira. Os munícipes também se voluntariaram em alguns trabalhos e se reuniram por oito vezes em sessões especiais de discussão sobre o projeto.
Nas suas 160 páginas, o Águas da Mantiqueira, Desenvolvendo Vida identifica zonas de fragilidade ambiental,
mapeia os recursos hídricos de dez microbacias hidrográficas e mostra como foi o histórico da ocupação humana do município pesquisado, desde os índios Puri, os primeiros habitantes, até hoje. Também desenha situações futuras e sugere algumas soluções que apontam para uma agricultura e ocupação mais sustentáveis, além de sugestões para as áreas de Educação e Saúde.
Com esses dados em mãos, a cidade pode alicerçar políticas públicas e formatar com bases científicas o seu Plano Diretor, a ser elaborado ainda. O estudo também dará mais força para captar recursos junto a instituições nacionais e internacionais ligadas ao meio ambiente e sustentabilidade. “É todo um processo que acontece a partir de agora, que inclui novas discussões com a população e seus representantes na Câmara dos Vereadores. O estudo certamente pode embasar muitas decisões, mas ele é orgânico e passível de adaptações. Nada será imposto”, afirma Júnior, o prefeito. Transformado num projeto de lei, ele passará por consultas públicas até o envio para a Câmara dos Vereadores e sua aprovação final. Esse processo poderá levar até 12 meses, ou mesmo um pouco mais. Porém a partir da aprovação do Plano Diretor, Santo Antônio do Pinhal pode passar a ser um modelo para outras cidades da Serra da Mantiqueira. A vantagem do diagnóstico feito pelo Águas da Mantiqueira é que ele poderá servir de referência geral à outros municípios da serra, obviamente com algumas adaptações locais.
Descobertas inesperadas
No trecho escolhido como amostra, encontram-se dez importantes microbacias hidrográficas. Seus rios e riachos, dispostos em linha reta, alcançariam nada menos do que 590 quilômetros de extensão. “É a distância daqui a Curitiba. Se fosse colocada lado a lado, a população local, de apenas sete mil habitantes, não chegaria nem ao trevo da entrada da cidade”. Isto é, é muita água numa rede altamente capilarizada de rios e cachoeiras e uma ocupação de baixa densidade que permite ainda uma proteção razoável aos mananciais. Mas com uma advertência grave: a Serra da Mantiqueira é como uma caixa d´água gigante coberta por uma tampa de cobertura vegetal. Sem a preservação da vegetação, a água simplesmente desaparece, pois é de lenta reposição.
Outro achado de impacto: “Aqui temos nada menos do que 28 espécies de abelhas nativas. Existem lugares no globo em que elas foram dizimadas, ou que só permanecem apenas uma ou duas espécies. Esses locais dariam tudo para ter uma riqueza natural de igual porte”, diz Beto Manna, o coordenador. As abelhas são polinizadoras, e sem elas não há qualquer possibilidade de manutenção da vida vegetal em grande escala.
Surpreendente também é a presença de cinco espécies de felinos de grande e médio porte: pelas matas ainda perambulam a onça parda (conhecida também por suçuarana), o jaguardi, a jaguatirica e o gato selvagem. Câmeras-armadilhas foram espalhadas pelos fragmentos de florestas da região e vídeos flagraram exemplares de várias espécies da rica fauna local. Microorganismos e insetos também foram classificados, assim como 24 espécies de aves e mais de 10 de peixes (que pode chegar até 20, segundo o cálculo dos pesquisadores).
Embora riquíssima em biodiversividade, a Serra da Mantiqueira é uma área extremamente sensível. Várias medidas que envolvem políticas públicas são necessárias para que o homem possa conviver pacificamente com a natureza, e dela extrair seu sustento sem prejudicá-la. “Damos várias sugestões que podem beneficiar os agricultores, por exemplo, como as culturas que se adaptam melhor à região sem prejudicar o solo ou as outras espécies de seres vivos”, explica Beto Manna. Os fármacos encontrados também foram catalogados, para sua melhor proteção.
“As florestas são como grandes bibliotecas desconhecidas”, diz José Roberto Manna. Segundo ele, temos de saber que livros que estão lá, cuidar deles, conhecer sua utilidade para nós e preservar todo esse conjunto de vida que está intimamente ligado. A Educação que ensina as crianças a ter um contato próximo com essas bibliotecas e a Saúde que leva em conta suas ervas, raízes e sementes medicinais beneficia a população, e o próprio planeta.
A origem do projeto
Embora com tantos recursos hídricos à disposição, Santo Antônio do Pinhal não ficou imune à grave crise abastecimento de água em São Paulo em 2014: nessa época, caminhões-pipa tiveram de entrar na zona urbana da cidade para fornecer água para as pousadas locais. “Foi diante dessa cena, inédita para nós, que resolvemos fazer um projeto que levantasse nossos recursos naturais e revelasse o motivo daquela situação”, conta Fernando Veríssimo, presidente da Associação de Amigos Pró-Pinhal, que se empenhou ao lado do prefeito da cidade e outros moradores locais nesse projeto. Fernando havia sido tocado por uma palestra que ouviu no Seminário de Biodiversidade, Sustentabilidade e Cultura realizado na cidade cinco anos antes pela FUNDEPAG (Fundação de Desenvolvimento de Pesquisa do Agronegócio) e achou que o palestrante, o coordenador-técnico José Roberto Manna, seria a pessoa ideal para chefiar o diagnóstico da região. Inspirados pelo projeto socioambiental realizado em Extrema (MG), que paga aos produtores rurais pelos serviços ao meio ambiente prestados ao município com fundos públicos destinados à sustentabilidade, desenhou-se enfim o projeto Águas da Mantiqueira.
Depois de muita procura por patrocínio, a proposta foi enviada à Fundação Toyota do Brasil. E caiu nas mãos de Thais Guedes, coordenadora de projetos da entidade. “Me apaixonei pela proposta. E aguardamos sua aprovação, que demorou cerca de dois anos”. Foi o tempo necessário para aprofundar e aperfeiçoar as diretrizes do estudo. Além disso, o projeto também tinha outra grande vantagem para a empresa que o patrocinou: “Ele vai na direção de todos outros projetos financiados pela Fundação Toyota do Brasil, sempre ligados à sustentabilidade e à conservação do meio ambiente”, diz Percival Maiante, presidente da entidade. E, durante a apresentação do Águas da Mantiqueira na última segunda-feira, ele lembrou que a natureza sempre foi vital na cultura japonesa. “O Japão é um arquipélago com mais de 100 milhões de habitantes onde cada metro de verde merece respeito”, diz.
A parceria da FUNDEPAG também foi fundamental para a realização da pesquisa e seu relatório final.
Conhecido por ser um administrador eficiente da cidade (está em sua segunda gestão), o prefeito Júnior espera resolver todas as dúvidas com relação ao conteúdo do projeto em discussões com a população e em futuras audiências públicas. Junto com a Câmara dos Vereadores e a população local, ele imagina conseguir elaborar o novo Plano Diretor da cidade em 12 meses, “ou talvez um pouco mais”, afirma. “Mas é com muita alegria que espero deixar esse legado para Santo Antônio, não só para nós, mas também para nossos filhos e netos”.
Sementes sustentáveis como essa podem se disseminar, com o tempo, por toda a Serra da Mantiqueira.
Leave A Comment