AMOR E APRENDIZADO

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AMOR E APRENDIZADO

março 15, 2018 admin

Meio ponto, uma laçada, meio ponto, uma laçada…

É quase uma meditação. A quietude me faz voltar para o centro do meu ser. Os erros mostram minha ansiedade e a vontade de acertar sempre. Esqueço que eles fazem parte de qualquer processo de aprendizado. E se o ponto ficou frouxo, e se a carreira está desigual, não preciso sofrer por isso. Posso desmanchá-los. Ou posso deixar assim mesmo, pois é uma peça feita por uma principiante. Por que desejar o acabamento impecável de uma máquina? Sou humana, com o tricô aprendo que sou humana, que o fazer requer experiência, e que eu não a tenho. Em poucos pontos trançados, ele me faz ver como eu sou exigente comigo mesma. Como sou intolerante com minhas faltas. E se assim é comigo, devo também ser intolerante com outros… O sonho da perfeição. O orgulho da perfeição. Por que preciso querer sempre ser perfeita? Para ser amada e admirada? Será que não existe amor suficiente neste mundo para os imperfeitos? Já não é tempo de aceitar e amar a imperfeição em mim?  E nos outros?

Nas minhas mãos, a lã natural corre enquanto faço essas perguntas internamente. Com agulhas gigantes de tricô, sigo a orientação das professoras. É possível se tricotar uma mantinha curta, ou uma gola de lã para o pescoço, durante a oficina. Faço o mesmo caminho de mães, avós e mulheres da minha ancestralidade que tricotavam roupas para seus filhos, netos ou maridos. Mas hoje, nessa oficina de tricô com lã natural aqui em Campos do Jordão, há também homens, namorados, pais e maridos, que desejam ter essa experiência única numa viagem de lazer. Eles, como eu, escolheram qual atividade que gostariam de fazer no site desse projeto (são muitas), agendaram o dia, e estão lá comigo para, basicamente, aprender. E, se não forem tão exigentes consigo mesmos, também para se divertir e rir dos seus enganos. Porque a gente acaba é rindo mesmo de nossas pretensões, talvez vencidos pelo erro, talvez apenas por se dar conta dos processos internos que uma atividade manual pode acarretar. E quando isso acontece, que delícia…  Podemos relaxar diante da nossa própria humanidade, de nossa própria limitação. E aprender não só essa, como muitas outras lições. Ter insights profundos. E rir, rir muito de nós mesmos, abaixar um pouquinho o volume de nossa autoimportância… Um trabalho manual é sempre uma escola de autoconhecimento, para quem quiser aproveitar essa oportunidade. Ou apenas lazer despretensioso. Qualquer alternativa é válida e divertida.

É também uma forma de ter uma deliciosa experiência numa viagem. Algo que fica na memória e provoca sentimentos. E que depois pode ser contado em forma de histórias para a família e amigos. Não existe recompensa maior do que essa: passar algumas horas fazendo algo que não se faz mais, com prazer, na companhia de outras pessoas e de muitos risos, além do bônus da aprendizagem interior. E terminar essa experiência gratificante com um chá (gratuito), com geleias e bolachinhas da roça que podem ser adquiridos no local.

E o Projeto Mãostiqueiras tem boas surpresas, como essa da oficina, na sua história de apenas um ano. Idealizado por Juliana Muller Bastos, ela mesma uma artesã de lã formada em administração de empresas, hoje a casa onde se reúnem 18 artesãs recebe cerca de 400 visitantes por mês, e mais de 800 na temporada de julho. Juliana é paulista, vinda de famílias do Paraná e de Santa Catarina. Como artesã, sempre gostou de trabalhar com lã natural: faz esculturas em forma do Pequeno Príncipe ou da Família Sagrada, por exemplo, com o emprego da técnica de feltragem. E aprendeu como fiar, tecer e criar com lã natural com as comunidades que ainda mantém essa tradição no Sul de Minas e em Cunha, em São Paulo (exemplos de seu trabalho podem ser vistos na casa da Mãostiqueiras, onde são feitas as oficinas). Ali também é exposto e vendido o artesanato das 18 mulheres da região que fazem parte desse projeto que tem o selo do Programa de Incentivo à Cultura do Estado de São Paulo, o Proac.

Foi o talento de Juliana como administradora de empresas que garantiu que o projeto se autosustentasse. As artesãs ganham pela produção e também pela venda de seus produtos. E aqui entra um detalhe importante desse projeto premiado que promove a interação com a comunidade local: se elas ganhassem apenas pela venda das peças, o projeto correria o risco de se extinguir, pois às vezes elas demoram para serem vendidas. Para sustentar todo o processo, que inclui compra de equipamentos, cursos de capacitação para as artesãs dominarem outras técnicas e apoio na divulgação durante o primeiro ano do projeto, foi necessário procurar o apoio de patrocinadores parceiros. Mas a ideia de demonstrar um processo artesanal aos visitantes e integrar a comunidade local era tão fascinante que Juliana ganhou rapidamente a parceria da empresa de ônibus Pássaro Marron e Litorânea, que serve a região. 

O Projeto Mãostiqueiras, que fica em Campos do Jordão, está aberto todos os dias exceto às terças-feiras. Mas se você quiser acompanhar o trabalho das artesãs, visite a casa na quarta-feira à tarde. 

Um mundo de encantamentos

A casa do Projeto Mãostiqueiras, uma união da palavra mão com Mantiqueira, é um lugar simples e ao mesmo tempo fascinante. Lá, Juliana e algumas de suas companheiras de trabalho ensinam como a lã do carneiro tosquiado é penteada, cardada, e se torna fio na roca. Ou como depois é tingida com tinturas naturais, vindas de plantas ou até mesmo de insetos esmagados, como a cochinilha, que dá um lindo tom escarlate. Ela também traz para os visitantes a maravilha que é o mundo de quem tece artesanalmente, ao mostrar os teares manuais e mantas confeccionadas por lá. Ou, então, a ensinar nas oficinas de tear para adultos e crianças.

Outro ponto importante: a lã do Mãostiqueiras é fornecida gratuitamente pelos produtores locais, que criam ovelhas rústicas mais para corte do que para produção de lã. Para eles foi um alívio, porque não sabiam o que fazer com a lã tosquiada. Ela não podia sequer ser incinerada, porque a lã natural é anticombustível (o que foi uma surpresa para mim; a lã combustível é a artificial, feita com petróleo). Depois de chegar no projeto, a lã é lavada e cardada, isto é, passa por um processo de limpeza até virar mechas ou fios em tons crus, cinzentos e marrons. Se optar, o aluno da oficina também pode trabalhar com lãs mais finas e macias, que vem do Sul do país. Mas daí o preço é outro, pois ela é vendida pelos produtores gaúchos em dólares, pois trata-se quase de uma raridade pouco disponível. Para começar, aconselho a lã rústica mesmo. E se quiser, depois, você pode encomendar a lã natural macia pelo site do projeto ou, então, comprar lá mesmo e, senão for uma quantidade muito grande, levar para casa. A oficina custa 120,00 e fornece a lã rústica para o tricô.

As crianças podem conhecer três ovelhas criadas no terreno e acompanhar como é o processo que transforma a lã em fio num pequeno museu. Também podem participar de oficinas preparadas para elas, como o tear de papelão e mesmo o tricô com agulhas gigantes que, por causa dos pontos maiores, dá mais velocidade ao processo de tricotar uma manta. 

Projeto Mãostiqueiras – Rua Arthur Ramazzi, 100 – Campos do Jordão – telefone: 99764-2718. De segunda a domingo, exceto às terças-feiras, das 10h00 às 18 horas.

site:www.maostiqueiras.com.br

 

Fotos: Antonio Milton Ito Soares

 

 

 

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