Como é acordar com a visão de um mar de nuvens pela janela e raios de sol filtrados por ramos de araucárias? E estender a vista num horizonte de luz rosada onde não mais se distingue o que é céu e o que é montanha? Eu não tinha ideia desse universo de possibilidades ao me mudar há dois anos para Campos do Jordão (SP), a cidade mais alta do Brasil, encravada no meio da Serra da Mantiqueira, a quase 1 700 metros de altitude. Sempre amei as cadeias montanhosas, já vivi aos pés dos Alpes, mas não pensava em me encantar com tão belas paisagens ao viajar pelas diversas regiões dessa cordilheira que se estende por 500 quilômetros entre as divisas dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. É como conhecer um inesperado país feito de maciços de pedra, cachoeiras e matas ancorado no Brasil.
E tão surpreendente como os panoramas que se abrem a cada curva da estrada, é a nova cultura que nasce por aqui. Há todo um esforço para se recuperar antigas receitas de cozinha da região e descobrir os sabores de verduras e frutas cujo uso foi abandonado. É estimulado também um cuidado extremo na produção de culturas orgânicas, seja de café, vinhas ou frutas.
Na nova Serra da Mantiqueira também não se esquece de que ali a cultura original é caipira, da roça, ainda que as cidades de Campos do Jordão (SP) e Monte Verde (MG) tenham centros turísticos que as fazem assemelhar-se a vilarejos suíços. Mas, no geral, o povo simples da montanha fala mesmo é com o r mineiro (porrrrta), e usa palavras como vremeio (vermelho) e tremoso (teimoso), principalmente onde a serra avança por São Paulo e Minas.
Mais do que fondue, essa gente gosta de um bom leitão pururuca, café com broa de milho e mandioquinha frita com linguiça feita em casa. Só que na nova, e igualmente deliciosa, gastronomia local, o angu pode ganhar a companhia do cogumelo shitake produzido na região, ou o torresminho crocante o acompanhamento de uma cerveja feita com limão cravo de uma microcervejaria.
Cerca de 60% da Serra da Mantiqueira está no Sul e Sudeste de Minas Gerais e 30% em São Paulo, a partir de Bragança Paulista, Extrema e Joanópolis e avançando na direção de Campos do Jordão e Santo Antonio do Pinhal. No Rio de Janeiro, com 10% de sua área, está o primeiro parque nacional brasileiro, o Parque Nacional de Itatiaia, onde está o pico das Agulhas Negras, a sexta montanha mais alta do Brasil, e cidades de charme como Visconde de Mauá.
Muitos altiplanos da serra ficam entre 1 200 a 2 800 m de altitude, na região chamada de Terras Altas da Mantiqueira, em Minas Gerais. Oito cidades fazem parte dessa área, dos 38 municípios que integram a serra, inclusive Aiuruoca, com seus rios transparentes cor de ferrugem e muitas cachoeiras. Na Serra Fina, uma extensão da Mantiqueira do lado mineiro, encontra-se o quarto pico mais alto do Brasil, a Pedra da Mina, com 2 798 m de altitude.
Nessas montanhas cobertas pela Mata Atlântica com enclaves de florestas de araucárias nos pontos mais altos, está em formação uma identidade cultural nascente e própria que, se recebe influências dos Estados brasileiros onde a Mantiqueira está assentada, também orgulha-se de suas características peculiares, seja da natureza exuberante que cobre suas terras ou da viola que canta suas raízes.
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Foto – Vista da Serra da Mantiqueira a partir da região do Imbiri
Foto: Letícia de Almeida Alves.