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À CAÇA DE SABORES

Sabores da Mantiqueira é o título de um projeto realizado por três professores da Faculdade de Gastronomia do Senac de Campos de Jordão para estimular os seus alunos a conhecerem melhor os produtos da Serra e a desafiá-los a usar esses ingredientes em novas receitas. Para atingir esse objetivo, decidiram realizar um levantamento detalhado dos produtos locais de acordo com quatro critérios: produção orgânica, relevância culinária, identidade local e preocupação com o meio ambiente. O conteúdo resultante das pesquisas servirá para a realização de um documentário e um livro, além de um blog que já está na web.

Antes de ir com seus alunos para conhecer a região, porém, eles mesmos foram desbravar as montanhas e vales ao longo do rio Sapucaí-Mirim, o mais importante da Serra da Mantiqueira. Foi uma surpresa. “Já estamos fazendo o levantamento há mais de três meses numa determinada microrregião, tarefa que a gente pensava em liquidar em poucos dias, e ainda nem chegamos a finalizar tudo o que é produzido por lá”, conta Vitor Pompeu, professor do Senac e um dos sócios do projeto. Vitor também foi o idealizador do Festival de Gastronomia e Cultura da Roça de Gonçalves, realizado anualmente em outubro, e que já vai para a sua oitava edição em 2018. Hoje quem toca o festival são outras pessoas, mas ele continua a estimular o interesse dos alunos pela produção local.
Já Ricardo Barbosa, professor de História da Alimentação, hoje mais dedicado ao estudo do ciclo econômico e sustentabilidade da produção, ensina aos alunos como a qualidade pode se transformar num diferencial redentor para os produtos da Mantiqueira. Ricardo pode ir com eles a uma plantação de um produtor de morangos orgânicos, por exemplo, e mostrar o trabalho meticuloso que ele tem no seu cultivo. Assim é mais fácil os alunos compreenderem a razão do preço final ser um pouco mais alto e se conscientizarem de como esse valor é importante para a sobrevivência econômica daquele agricultor. O resultado dessa ação tão simples? Como futuros chefs, eles terão a tendência a utilizar bons insumos produzidos por produtores locais em suas receitas e, dessa maneira, alimentar um ciclo virtuoso de qualidade, frescor e saúde. “Os agricultores só permanecem na região se os seus produtos tiverem saída. E os chefs só podem escolher utilizá-los se os conhecem e oferecem a seus clientes. Assim fechamos o ciclo”.

O desafio do terceiro integrante do projeto Sabores da Mantiqueira, o professor e chef Vitor Rabelo, é trazer esse conhecimento para a prática, e desafiar seus alunos a inventarem pratos criativos com os ingredientes tradicionais da região. Tem dado certo também. Eles elaboram pratos da entrada à sobremesa que depois são avaliados pelos professores. E a moçada ama esse desafio.
Acompanhe as excursões dos professores do Senac no blog Sabores da Mantiqueira:

AH, AS FAZENDAS…

Um dos grandes passeios da Nova Mantiqueira é conhecer os restaurantes, lojas e cervejarias das propriedades rurais locais. É uma delícia passar algumas horas em cada fazenda, adquirir alguns dos seus produtos ou saboreá-los em pratos deliciosos. Em algumas delas, como a Fazenda Água da Capoeira, por exemplo, na região de Santo Antônio do Pinhal (SP), é possível se encher uma sacola com as frutas da estação colhidas no pé ou escolher verduras na horta orgânica.  Em outras pequenas propriedades, pode-se visitar plantações de flores comestíveis produzidas por meio de hidroponia e sem uso de defensivos agrícolas, como as encontradas na Gastro Flowers, em Campos de Jordão (SP), além de se poder comprar geleias, doces e óleos artesanais feitos com elas. Já na famosa Feira de Orgânicos de Gonçalves (MG), aos sábados de manhã, produtores locais expõem frutas, legumes e verduras da região distribuídos em várias barraquinhas. Cada um deles tem a sua história, e é um prazer a mais conhecê-las.

Uma das propriedades mais importantes da região é a Fazenda Santa Terezinha, que tem mais de 100 anos e fica na região de Paraisópolis (MG). O café de lá, cuja produção é vendida quase totalmente para o exterior, ganhou em 2001 a primeira colocação no prêmio mais prestigiado da área no Brasil, o Cup of Excellence, com uma pontuação que alcançou a nota 97,5 sobre 100 pontos, marca até hoje insuperável no mundo.

Os pés de café da Santa Terezinha são plantados de forma peculiar, à sombra de outras árvores maiores como a taiuveira e, por isso, a sua produção é conhecida como de “café sombreado”, um sistema que confere bastante robustez à planta. Clima, solo, altitude, forma de colheita (só os grãos maduros são colhidos, o que encarece bastante a produção, pois a seleção é manual) e o trabalho realizado no terreiro são os itens que determinam um bom café – e todos os eles são levados em conta. “Produzo 300 sacas por ano de diferentes tipos de café, penso em chegar a 600. Mas o mais importante para mim é que a produção seja de alta qualidade”, diz o engenheiro agrônomo e proprietário Paulo Sérgio de Almeida, que hoje tem clientes em países como Japão e Estados Unidos. Para o consumidor, 1 kg do café torrado da Fazenda Santa Terezinha custa de 70 a 110,00, conforme a safra. É caro. Porém, trata-se daquele que é considerado o melhor café orgânico do mundo. 

E há um forte motivo para que a produção da fazenda Santa Terezinha seja totalmente orgânica. Há 33 anos atrás, Paulo teve de fazer um transplante de rim. A provável causa: intoxicação involuntária por agrotóxicos. “Prometi a mim mesmo nunca mais envenenar ninguém com o seu uso”, diz ele. Seu irmão, Elder, que cria suínos, adotou a ideia e também dá uma alimentação especial aos porcos que a fazenda produz. Também seu filho, Fabrício, dono de uma micro-cervejaria dentro da Santa Terezinha, a ZalaZ, não usa aditivos químicos prejudiciais à saúde em suas cervejas artesanais (conheça mais sobre ela em CERVEJA NA FAZENDA.

Tudo que é servido ali obedece a um rigoroso critério de qualidade e sabor. As criativas receitas das cervejas artesanais produzidas na propriedade, que podem levar ingredientes como café, amora, pitanga, chá de cáscara (casca e polpa de café), limão cravo ou maracujá, assim como os petiscos e pratos que as acompanham, atestam essa preocupação. Você não poderá circular livremente pela fazenda para conhecer os pés de café e a criação de porcos, mas poderá entrar para degustar as cervejas na sua microcervejaria, um bom programa para os sábados, quando ela abre para visitação. Eventualmente haverá música ao vico, com bandas de jazz ou outro tipo de música (o calendário de eventos da fazenda está disponível no site www.zalaz.com.br). 

Outra fazenda que vale a pena conhecer é o Viveiro Frutopia, e o restaurante Entre Vilas, a 1600 metros de altitude, em São Bento do Sapucaí (MG). Há guias locais que acompanham a visita à fazenda, mas é sempre bom confirmar antes se estarão disponíveis (aliás, no universo rural é sempre bom checar tudo nos sites correspondentes antes de sair de casa).  E a experiência em Frutopia vale a pena, pela surpresa de cada item plantado por lá. Quando decidiu fazer vinhos de altitude de qualidade com uvas europeias, cultivar frutas exóticas delicadas, como amoras e framboesas ou, mais ainda, plantar lúpulo para a produção de cervejas (feito que até então ninguém tinha conseguido no Brasil), não houve quem não chamasse Rodrigo Veraldi de maluco. Por isso, ele não teve dúvidas em batizar sua propriedade de Frutopia, uma mistura da palavra fruta com utopia.

Era um sonho mesmo, mas que deu certo.  Uma cobertura de plástico salva suas videiras da chuva e ele já está na sua terceira safra de vinhos. As plantações da fazenda hoje se espalham em 30 tipos diferentes de amora e outro tanto de framboesa, além de outras frutas. Mas a grande vitória foi o lúpulo: depois experimentar plantar diferentes espécies, uma finalmente se adaptou perfeitamente à região.  E ele se tornou o primeiro produtor de lúpulo do Brasil, certamente um negócio que traz além de muito trabalho, muito lucro. Numa palestra aos alunos de gastronomia do Senac no final do ano passado, ele não deixou de aconselhar. “Sejam chefs, experimentem novas receitas, tudo isso é muito bom, mas não deixem de pensar na possibilidade de se tornarem produtores rurais”. Por que não?

O casal de proprietários da fazenda Oliq também resolveu ousar e mudar de vida. Os dois compraram terras para plantar oliveiras e colher azeitonas que hoje resultam em azeites de raro sabor. A plantação de oliveiras na Mantiqueira começou ainda na década de 30, perto da região de Maria da Fé, um dos pontos mais altos da serra, a partir de espécies europeias cultivadas por imigrantes portugueses. Não deu certo, sobretudo pela falta de tecnologia da época. Numa segunda onda, a partir de 1970, a Epamig, Fazenda Experimenta da Empresa de Pesquisas Agropecuárias de Minas Gerais, com o uso de novas técnicas, conseguiu que as oliveiras finalmente se adaptassem à Serra a partir de uma espécie brasileira, e mineira, a Maria da Fé. A Oliq nasce dessa segunda fase em duas fazendas unidas, a Santo Antônio do Bugre e a São José do Cantagalo. O lagar da propriedade e o armazém para degustação ficam na Santo Antônio do Bugre, na região de Santo Antônio do Pinhal (SP), e o mapa pode ser baixado direto do site da fazenda.

No armazém local, além dos vários azeites experimentados num tipo de pão de sabor suave, a fougasse (o parente francês da focaccia), privilegia-se ainda os doces feitos com frutas de altitude. Os nomes são pouco conhecidos, e os sabores, exóticos. Fragaia, japoca, grumixama (cereja do mato), além da uvaia e do cambuci, se transformam em doces diversos vendidos no pequeno armazém à moda antiga. Ali também pode se encontrar travesseiros de lavanda bordados, sais de banho e outros mimos, numa produção que procura se utilizar da mão de obra local.

Ainda dá espaço para salivar mais? Então vamos para a  À CAÇA DE SABORES  e  GASTRONOMIA CRIATIVA .

CAFÉ NO BOSQUE

 

Nessa rua, nessa rua tem um bosque

E ele não se chama Solidão.Todos o conhecem por Bosque do Silêncio, nome tão poético quanto o da canção de roda. E aqui a natureza tem mesmo o ar de uma floresta mágica: silenciosa, recolhida, misteriosa.

Parcialmente natural e parcialmente tratado como jardim, em especial na parte gramada da entrada, o bosque tem uma área de 120 mil metros quadrados, um bom tamanho para um parque dentro de uma cidade, no caso, Campos do Jordão. São 28 travessias que podem ser percorridas em dois quilômetros de passarelas, em trilhas que podem levar de 1 a 3 horas.

Ali, lagos com nenúfares são atravessados por pontes, e passarelas de madeira correm por entre hortênsias e plantas aquáticas. Há todo um equipamento seguro para a prática de tirolesa e caminhos entre as copas das árvores para a prática de arvorismo, atividades propostas pela empresa Altus Turismo Ecológico, assim como uma arena aramada para Paint ball, esporte mais praticado nos Estados Unidos do que o surfe.

Altos pinheiros protegem um spa construído como uma cabana de madeira, e canteiros de coloridas Impatiens (a prima rica da nossa Maria-sem-vergonharodeiam um café com deck ao ar livre. Tudo é limpo e muito cuidado por lá, e uma atividade fica longe da outra.

A ideia do Café no Bosque, uma das principais atrações do parque, é oferecer o que de melhor a Serra da Mantiqueira é capaz de produzir na área da alimentação. “O turista muitas vezes não tem tempo de ficar rodando por aí para conhecer e provar tudo o que existe nesses vales e montanhas, e a Serra se estende por mais de 500 quilômetros… Então procurei reunir uma amostra das coisas mais gostosas que são produzidas na região”, diz Marco Ayres, o proprietário do café.

Como sommelier da Enoteca Fasano em Campos do Jordão, Marco adota o mesmo sistema que oferecia aos seus sofisticados clientes: traz amostras para degustação de muitos produtos vendidos. Os queijos premiados da Fazenda Pavão na vizinha Serra do Salitre (que espero um dia conhecer, pois ela é também aberta à visitação) são trazidos em pequenas lascas, em três estágios diferentes de maturação. No geral, os queijos se assemelham ao Grana Padano italiano, e mesmo ao Parmegianno Regianno, e podem muito bem substituí-los.  Ou ele pode apresentar vinhos que se parecem com o Madeira, tanto o seco como o licoroso, feito originalmente por um português que veio morar aqui no século passado. A produção vinícola do Madeira é continuada hoje pela família.

O mel mais exótico que Marco oferece é obtido das flores brancas e perfumadas das floradas das fazendas de café, mas lá existem de muitos outras espécies. E ele também apresenta os mais diferentes tipos de geleias (comprei uma lá, de laranja, que me fez lembrar demais das marmelades inglesas). Outra que faz sucesso é a de physalis, uma frutinha amarela envolta por folhas cor de palha, que chegou nos mercados daqui como exótica, mas que é bem brasileira. No Brasil, ela é chamada de joá-de-casaca, camapum ou saco-de-bode. Gostosa, tem inúmeros benefícios medicinais para a saúde.  Na Serra, ela é cultivada sem qualquer tipo de agrotóxicos, pois se adapta facilmente ao solo. Já não é caso das frutinhas vindas de fora.

As cervejas artesanais, desde daquelas feitas em garagem, mas muito saborosas, até marcas conceituadas ou de fabricação exclusiva, são um universo à parte. São inúmeras, mas essas você vai ter de comprar seguindo uma ou outra indicação do dono da cafeteria, é claro, assim como os vinhos de altitude. Ele não pode abrir uma garrafa só para tirar uma amostra… Mas você pode experimentar os derivados de suínos em lasquinhas, como as de presunto cru de tipo ibérico, originados das melhores fazendas da região e beber com as cervejas, ou pedir uma deliciosa porção de queijos e frios que está no cardápio. 

O Café no Bosque ensaia lançar um menu criativo para o almoço durante os finais de semana, mas até isso acontecer, já é possível consumir salgadinhos para beliscar e sanduíches. E não saia de lá antes de provar uma fatia de cheesecake feito com frutas vermelhas e massa de amêndoas. O pessoal do Trip Advisor já o classifica como o melhor da Mantiqueira (o parque tem o Certificado de Excelência do site também).

Endereço: Avenida Senador Roberto Simonsen, 1724 – Vila Inglesa – Campos do Jordão

A entrada é gratuita, e ele funciona das 9h00 às 18h00.

A administração do Bosque do Silêncio é feita pela empresa Altus Turismo Ecológico.

 

 

CAMINHO DA ROÇA

 

A casa parece ter saído do desenho da Branca de Neve. E tenho a impressão de ter vistos um ou dois duendes no jardim, perto das dálias vermelhas (ah, há quanto tempo não via dálias vermelhas, flores da minha infância…). São de barro, tudo bem, não enlouqueci. Mas combinam muito bem com o lugar.

Acontece que essa casinha branca com janelas e portais azuis fica no caminho de casa. E aí é acontece a perdição. Para não comprar nada lá, tenho de amarrar as mãos no bolso. A loja Caminho da Roça é uma tentação.

E o que tem lá dentro? Tudo, tudo o que você possa imaginar para enfeitar uma casa.

De mantas artesanais feitas em teares manuais aqui na Serra da Mantiqueira a coelhinhos de algodão importados que parecem brinquedos de criança do século XIX. De Cds de músicas relaxantes a óleos essenciais, de colchas em patchwork a capachos engraçados de boas-vindas.

Tem ovelhinhas para colocar embaixo na janela, sapinhos e tartarugas para o jardim. Todos de cerâmica.

Tapetes rústicos de Minas, caixinhas de música alemãs, ícones de madeira italianos. E presépios de várias partes do mundo.

Da China, só o melhor: jogos de taças gigantes coloridas para se colocar velas, bibelôs em forma de coelhos e pássaros, jogos de pratos, copos e sousplats, candelabros, enfeites de parede e lanternas em ferro… Tudo bem, também tem aquelas peças pseudo-provençais hiperromânticas, que particularmente acho muito fake, mas reconheço que tem muita gente que adora. Enfim, entre as centenas de objetos distribuídos em cinco pequenos ambientes, dá para ficar um bom tempo a descobrir preciosidades. 

E ainda é possível encontrar novas surpresas a cada semana.

Mérito da Rosana, a dona, que há quase vinte anos faz questão de manter as ofertas do Caminho da Roça bem sortidas.

   O saboroso picles artesanal Granny´s, com receita americana mas feito na serra.

Ultimamente passo lá para comprar os picles crocantes feitos pela sogra da Débora que, junto com a Cilene, atende os clientes da loja. Picles crocantes com fatias de cebola e pedacinhos de pimentões e sementes de aipo são bem difíceis de se achar por aqui no Brasil. E Débora me conta parte do segredo: a receita foi ensinada por uma americana, Louise, que viveu em Campos do Jordão por muitos anos, e que ensinou o segredo da crocância à Romilda, a sua sogra. Foi Louise também que mandou fazer os rótulos pintados à mão (e depois impressos, é claro) dentro do mais puro estilo de desenho artesanal dos Estados Unidos. E assim nasceu a marca Granny´s. Louise vendia os vidros e Romilda executava suas receitas, que incluem relishes e geléias de framboesa e amora. E assim foi durante muito tempo. Até que um dia Louise se cansou e voltou para os Estados Unidos. Doou todos os rótulos impressos para Romilda, e pediu para ela tocar o negócio em frente. E é o que Romilda faz até hoje para ajudar no orçamento.

Quando compro um produto artesanal, gosto sempre de saber sua história. Porque assim ele ganha um sabor diferente, uma memória afetiva. E fica muito mais gostoso. Na nossa happy hour, comemos os picles Granny’s com um pão quentinho coberto por uma crosta de queijo, comprado ali mesmo em frente na Padaria Roma, e requeijão (a sugestão é da Débora também). Acompanhamos com um dos 50 tipos de cerveja artesanal feitos por aqui.

Definitivamente Campos do Jordão não é um bom lugar para se emagrecer.

Caminho da Roça: Rua Orivaldo Lima Cardoso, 105 – Campos do Jordão

 

 

CERVEJA NA FAZENDA

 

O nascimento de uma cervejaria artesanal implantada no meio de uma fazenda pode começar muito tempo antes.

O casal Fabricio e Júnia, por exemplo, eram executivos com especialização em logística numa grande empresa de armazenamento em Jundiaí, São Paulo. Ganhavam bem, tinham um futuro tranquilo e estável à sua frente. Mas felizes, felizes mesmo, não eram. E logo começaram a sentir aquele incômodo no coração que sussurra que está mais do que na hora de mudar de vida. “Não era um trabalho criativo, a gente sentia que não estava produzindo nada de verdadeiramente nosso, com a nossa marca. E não era manual, artesanal. Só ficávamos horas diante da tela do computados fazendo cálculos”, diz Fabricio Faria de Almeida, que não arrepende nem por um momento de ter vindo morar com sua mulher Júnia para a Serra da Mantiqueira.

E qual a experiência artesanal que eles tinham para mergulhar em outro projeto de vida? Hummm. Eles tinham produzido a própria cerveja servida no casamento deles. E o que era apenas uma brincadeira, gerou comentários elogiosos. “Por que vocês não fazem mais cervejas assim?”, “Nossa, cara, essa cerveja está muito boa”… Estimulados pelos elogios, começaram mergulhar mais no assunto e a fazer novas experiências, que também resultaram em bons produtos, com um ou outro errinho de principiantes, é claro.

Mas como mudar de vida, e para onde? Era uma questão. Fabrício tinha passado a infância numa fazenda na Serra da Mantiqueira. Mas era de café orgânico, criação de porcos e frutas exóticas. Não era bem o que eles tinham em mente. Mas se… E esse “mas se” foi crescendo na mente deles, até que um dia finalmente desenhou-se a opção definitiva: implantar uma cervejaria dentro da fazenda, aberta aos visitantes, com cervejas artesanais feitas com nuances de sabores vindos de produtos da propriedade. Isto é, cervejas feitas com lúpulo e limão cravo, ou também pitaya e amoras, maracujá e chá de cáscara, que é a casca junto com parte da polpa da frutinha do café. E assim por diante. Além de originais, elas poderiam ser deliciosas e refrescantes…

A ideia era tão boa que eles não tiveram mais dúvidas, mesmo que o projeto tivesse seus riscos. “A fazenda já produzia tudo organicamente. E nós queríamos fazer uma cerveja artesanal sustentável, cuja produção fosse respeitosa com a terra. Se a gente tirasse um quilo da terra, teríamos de devolver um quilo” conta Júnia Falcão, sócia-proprietária da cervejaria. E é isso mesmo o que acontece por lá: o bagaço do malte que é descartado após a produção, por exemplo, é secado ao sol e dado como alimento aos porcos da fazenda. Isso significa o aproveitamento de 15 toneladas/mês de dejetos que deveriam ser jogados na área da propriedade ou transportado em caminhões para fora, manobra de difícil execução. Fabrício e Júnia também fazem experimentos com fermentos naturais da Serra da Mantiqueira, além do tradicional belga empregado na produção, para aproveitar o que região produz. Tudo é pensado para que haja um máximo aproveitamento dos insumos utilizados.

O nome da cervejaria, ZalaZ, não significa nada. Apenas tem uma sonoridade que agradou ao casal quando pensavam no rótulo da cerveja. É um palímetro, isto é, uma palavra que pode ser ler nos dois sentidos. E como o nome não tinha um sentido especial, acharam um boa ideia atribuir à ele tudo o que tinham em mente: fabricar produtos de qualidade de forma totalmente sustentável.

E com uma produção de nove mil litros por mês, a Zalaz já é bem conhecida na região. Com outra característica bem original: a produção de cada rótulo é limitada. A cerveja feita com pitaya, uma fruta exótica cor-de-rosa originalmente vinda da Colômbia, por exemplo, tem de aguardar a colheita da fruta e o tempo necessário, um ano, para que o seu sabor seja apurado em barris de carvalho. É um processo demorado e artesanal, e quando o número de garrafas produzido acaba, é necessário esperar a outra leva da produção, que pode demorar um tempinho. Como todos produtos da Serra da Mantiqueira, ela é sazonal. Não adiante querer, por exemplo, pinhão fora da estação, ou shitake num verão úmido e chuvoso, quando ele precisa do frio e secura do inverno. Tudo tem o seu período próprio. E assim também acontece com as cervejas que levam produtos de lá. 

 Por tudo isso, não espere o preço de uma garrafa de cerveja industrial. Em média, as cervejas da ZalaZ custam 30,00. E não é caro, pelo custo do processo envolvido. Além disso, tem toda a experiência deliciosa de se consumir um produto dentro de uma fazenda orgânica. As cervejas também são acompanhadas de petiscos de boa qualidade, como o torresmo ou o presunto cru, vindos da criação local de porcos. Algumas vezes, jazz bands são convidadas para acompanhar a degustação, ou então, bandas para animar o Carnaval com marchinhas.

Confira as datas de abertura da Fazenda Santa Terezinha, onde está a Cervejaria Zalaz, no site www.zalas.com.br ou em sua página no Facebook.

 

Fotos/Slider: florada do café orgânico da Fazenda Santa Terezinha – Divulgação

Fotos do casal/Cervejaria ZalaZ à noite: Divulgação

 

 

AMOR E APRENDIZADO

Meio ponto, uma laçada, meio ponto, uma laçada…

É quase uma meditação. A quietude me faz voltar para o centro do meu ser. Os erros mostram minha ansiedade e a vontade de acertar sempre. Esqueço que eles fazem parte de qualquer processo de aprendizado. E se o ponto ficou frouxo, e se a carreira está desigual, não preciso sofrer por isso. Posso desmanchá-los. Ou posso deixar assim mesmo, pois é uma peça feita por uma principiante. Por que desejar o acabamento impecável de uma máquina? Sou humana, com o tricô aprendo que sou humana, que o fazer requer experiência, e que eu não a tenho. Em poucos pontos trançados, ele me faz ver como eu sou exigente comigo mesma. Como sou intolerante com minhas faltas. E se assim é comigo, devo também ser intolerante com outros… O sonho da perfeição. O orgulho da perfeição. Por que preciso querer sempre ser perfeita? Para ser amada e admirada? Será que não existe amor suficiente neste mundo para os imperfeitos? Já não é tempo de aceitar e amar a imperfeição em mim?  E nos outros?

Nas minhas mãos, a lã natural corre enquanto faço essas perguntas internamente. Com agulhas gigantes de tricô, sigo a orientação das professoras. É possível se tricotar uma mantinha curta, ou uma gola de lã para o pescoço, durante a oficina. Faço o mesmo caminho de mães, avós e mulheres da minha ancestralidade que tricotavam roupas para seus filhos, netos ou maridos. Mas hoje, nessa oficina de tricô com lã natural aqui em Campos do Jordão, há também homens, namorados, pais e maridos, que desejam ter essa experiência única numa viagem de lazer. Eles, como eu, escolheram qual atividade que gostariam de fazer no site desse projeto (são muitas), agendaram o dia, e estão lá comigo para, basicamente, aprender. E, se não forem tão exigentes consigo mesmos, também para se divertir e rir dos seus enganos. Porque a gente acaba é rindo mesmo de nossas pretensões, talvez vencidos pelo erro, talvez apenas por se dar conta dos processos internos que uma atividade manual pode acarretar. E quando isso acontece, que delícia…  Podemos relaxar diante da nossa própria humanidade, de nossa própria limitação. E aprender não só essa, como muitas outras lições. Ter insights profundos. E rir, rir muito de nós mesmos, abaixar um pouquinho o volume de nossa autoimportância… Um trabalho manual é sempre uma escola de autoconhecimento, para quem quiser aproveitar essa oportunidade. Ou apenas lazer despretensioso. Qualquer alternativa é válida e divertida.

É também uma forma de ter uma deliciosa experiência numa viagem. Algo que fica na memória e provoca sentimentos. E que depois pode ser contado em forma de histórias para a família e amigos. Não existe recompensa maior do que essa: passar algumas horas fazendo algo que não se faz mais, com prazer, na companhia de outras pessoas e de muitos risos, além do bônus da aprendizagem interior. E terminar essa experiência gratificante com um chá (gratuito), com geleias e bolachinhas da roça que podem ser adquiridos no local.

E o Projeto Mãostiqueiras tem boas surpresas, como essa da oficina, na sua história de apenas um ano. Idealizado por Juliana Muller Bastos, ela mesma uma artesã de lã formada em administração de empresas, hoje a casa onde se reúnem 18 artesãs recebe cerca de 400 visitantes por mês, e mais de 800 na temporada de julho. Juliana é paulista, vinda de famílias do Paraná e de Santa Catarina. Como artesã, sempre gostou de trabalhar com lã natural: faz esculturas em forma do Pequeno Príncipe ou da Família Sagrada, por exemplo, com o emprego da técnica de feltragem. E aprendeu como fiar, tecer e criar com lã natural com as comunidades que ainda mantém essa tradição no Sul de Minas e em Cunha, em São Paulo (exemplos de seu trabalho podem ser vistos na casa da Mãostiqueiras, onde são feitas as oficinas). Ali também é exposto e vendido o artesanato das 18 mulheres da região que fazem parte desse projeto que tem o selo do Programa de Incentivo à Cultura do Estado de São Paulo, o Proac.

Foi o talento de Juliana como administradora de empresas que garantiu que o projeto se autosustentasse. As artesãs ganham pela produção e também pela venda de seus produtos. E aqui entra um detalhe importante desse projeto premiado que promove a interação com a comunidade local: se elas ganhassem apenas pela venda das peças, o projeto correria o risco de se extinguir, pois às vezes elas demoram para serem vendidas. Para sustentar todo o processo, que inclui compra de equipamentos, cursos de capacitação para as artesãs dominarem outras técnicas e apoio na divulgação durante o primeiro ano do projeto, foi necessário procurar o apoio de patrocinadores parceiros. Mas a ideia de demonstrar um processo artesanal aos visitantes e integrar a comunidade local era tão fascinante que Juliana ganhou rapidamente a parceria da empresa de ônibus Pássaro Marron e Litorânea, que serve a região. 

O Projeto Mãostiqueiras, que fica em Campos do Jordão, está aberto todos os dias exceto às terças-feiras. Mas se você quiser acompanhar o trabalho das artesãs, visite a casa na quarta-feira à tarde. 

Um mundo de encantamentos

A casa do Projeto Mãostiqueiras, uma união da palavra mão com Mantiqueira, é um lugar simples e ao mesmo tempo fascinante. Lá, Juliana e algumas de suas companheiras de trabalho ensinam como a lã do carneiro tosquiado é penteada, cardada, e se torna fio na roca. Ou como depois é tingida com tinturas naturais, vindas de plantas ou até mesmo de insetos esmagados, como a cochinilha, que dá um lindo tom escarlate. Ela também traz para os visitantes a maravilha que é o mundo de quem tece artesanalmente, ao mostrar os teares manuais e mantas confeccionadas por lá. Ou, então, a ensinar nas oficinas de tear para adultos e crianças.

Outro ponto importante: a lã do Mãostiqueiras é fornecida gratuitamente pelos produtores locais, que criam ovelhas rústicas mais para corte do que para produção de lã. Para eles foi um alívio, porque não sabiam o que fazer com a lã tosquiada. Ela não podia sequer ser incinerada, porque a lã natural é anticombustível (o que foi uma surpresa para mim; a lã combustível é a artificial, feita com petróleo). Depois de chegar no projeto, a lã é lavada e cardada, isto é, passa por um processo de limpeza até virar mechas ou fios em tons crus, cinzentos e marrons. Se optar, o aluno da oficina também pode trabalhar com lãs mais finas e macias, que vem do Sul do país. Mas daí o preço é outro, pois ela é vendida pelos produtores gaúchos em dólares, pois trata-se quase de uma raridade pouco disponível. Para começar, aconselho a lã rústica mesmo. E se quiser, depois, você pode encomendar a lã natural macia pelo site do projeto ou, então, comprar lá mesmo e, senão for uma quantidade muito grande, levar para casa. A oficina custa 120,00 e fornece a lã rústica para o tricô.

As crianças podem conhecer três ovelhas criadas no terreno e acompanhar como é o processo que transforma a lã em fio num pequeno museu. Também podem participar de oficinas preparadas para elas, como o tear de papelão e mesmo o tricô com agulhas gigantes que, por causa dos pontos maiores, dá mais velocidade ao processo de tricotar uma manta. 

Projeto Mãostiqueiras – Rua Arthur Ramazzi, 100 – Campos do Jordão – telefone: 99764-2718. De segunda a domingo, exceto às terças-feiras, das 10h00 às 18 horas.

site:www.maostiqueiras.com.br

 

Fotos: Antonio Milton Ito Soares

 

 

 

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