GASTRONOMIA CRIATIVA

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GASTRONOMIA CRIATIVA

março 19, 2018 Liane Alves

Muitos chefs da Serra usam a fórmula criatividade + tradição nos seus pratos elaborados por eles. E o resultado é surpreendente. “O que eu acho interessante na Mantiqueira de hoje é a presença paradoxal de uma cozinha com um olhar urbano, seguro e criativo ao lado da cozinha caipira, autêntica, sem frescura, orgulhosa de suas origens, mas ainda tímida na promoção de si mesma. Nesse novo contexto, que reflete uma tendência mundial na gastronomia, ela tenta criar coragem para se afirmar” afirma Clarissa Alves Secondi, pesquisadora formada em História da Alimentação na Universidade François Rabelais, em Tours, na França. “A cozinha da Mantiqueira se refere à uma cultura alimentar específica que ainda não tem uma etiqueta definida, como a cozinha baiana, por exemplo. E isso pode ser muito bom: dessa forma, ela busca mais, cria mais, sempre à procura de uma identidade, que hoje pode chegar mais pelo estandarte da utilização criativa dos produtos vindos da região do que por receitas consagradas”, ela diz.

Dessa maneira, a cozinha caipira, que pode ser servida de modo tradicional em alguns restaurantes, também serve de base de inspiração para voos criativos e novas receitas na gastronomia local. Cito só alguns exemplos desses chefs ousados, porque a lista é grande. Por exemplo, Mônica Rangel, que há vinte anos comanda o Gosto com Gosto em Visconde de Mauá (RJ), e que parte de uma cozinha de tradição mineira para desenvolver receitas inspiradas, como o brasileirinho, sobremesa feita com limão e doce de leite. Ou a chef Anouk, que oferece trutas e outras receitas com frutas e legumes de cada estação, do pinhão às alcachofras, do shitake às frutas vermelhas. É uma cozinha com um delicado toque francês (os pais de Anouk vieram da França) que pode ser apreciada num restaurante de charme à beira de um riacho, o Donna Pinha, em Santo Antônio do Pinhal (SP).

Criatividade e tradição também valem para o restaurante Dona Chica, instalado dentro do Horto Florestal de Campos do Jordão (SP). “Ninguém acreditava num restaurante que oferecesse comida brasileira no meio de um parque estadual. Mas completamos cinco anos, e os clientes voltam sempre”, diz o chef Anderson Cesar Oliveira, proprietário do restaurante e também professor da Faculdade de Gastronomia do Senac. Jordanense da gema, ele é responsável pela volta de frutos típicos da região em diversas receitas, como o tomate de árvore, que ele conheceu na infância. “Fui de porta em porta até conseguir uma muda. As pessoas não mais plantavam por aqui”, conta. Também oferece seu leitão pururuca ou a truta salmonada em travessas na mesa, em vez de serem montados no prato. “Quero que o cliente se sinta à vontade, em casa”. Brigadeiros de erva-cidreira podem fechar a refeição.

Lá na Roça, em São Bento do Sapucaí (MG), marcado pela hospitalidade e acolhimento dos donos, comida saborosa e belíssima paisagem, também pode fazer parte dessa lista. Já em Gonçalves conheça o Sauá, de refinado paisagismo e arquitetura, com cardápio assinado pelo chef e professor do Senac Vitor Pompeu.

Fique sempre de olho também para não perder o Festival e Cultura da Roça de Gonçalves, que em 2018 alcança sua oitava edição. Durante o festival, chefs e cozinheiros locais de restaurantes, bares, cafés e botecos da cidade oferecem pratos elaborados com os produtos da Mantiqueira, que são servidos aos som de grupos de viola e  música sertaneja de raiz. Além disso, você pode participar de várias oficinas e workshops relacionados com gastronomia local e comprar na feira de artesanato. O Festival acontece sempre em dois finais de semana, no final de outubro e começo de novembro.

O buffet de domingo do restaurante Alquimia, no hotel Serra da Estrela, em Campos do Jordão, é outro que chama a atenção pela criatividade de seus pratos vegetarianos feitos com verduras e legumes orgânicos. Num ambiente harmonioso com janelões que dão para o verde da cidade e música ao vivo (geralmente chorinhos), você pode escolher entre cerca de 40 pratos vegetarianos, incluindo as sobremesas, e pagar apenas 42,00 por pessoa (durante a semana, o menu confiança custa 14,90). O Alquimia também promove o Festival Vegano de Inverno JMA, com um bazar com vários produtos veganos e outras atividades. Em sua primeira edição, o festival aconteceu no final da temporada de julho (dias 30 e 31) e foi um sucesso. A repetição está garantida para 2018.

Mas se você quiser uma experiência gastronômica inesquecível na Serra da Mantiqueira, e se o seu bolso permitir, visite o Mina, restaurante do belo Hotel & Spa Botanique, em São Antônio do Pinhal (SP). Lá brilha como nunca o chef Gabriel Broide, que resolveu deixar para trás prêmios e elogios constantes de críticos e foodies de São Paulo para viver uma vida pacata e simples na Mantiqueira. Prove, por exemplo, as vieiras em calda de pinhão, na melhor versão mar & montanha da gastronomia, e costumeiramente servidas no outono. Ou o cordeiro. E depois me conte.

E quem não tiver tempo para visitar fazendas ou restaurantes, pode comprar os produtos locais em um entreposto bem sortido, como o do Café no Bosque (leia mais sobre ele na nossa página Delícias da Montanha), que fica dentro do Bosque do Silêncio, um parque bem cuidado localizado em Campos do Jordão (SP).

E tem muito mais. Mas quero terminar com um convite: além experimentar gostosuras e se deliciar com a paisagem, quando for para a Serra da Mantiqueira faça o possível para interagir com as pessoas de lá. Foi assim que encontrei o senhor Tadaki, um mestre  de 77 anos com mãos calejadas pelo seu trabalho como agricultor. O conheci junto à sua hospitaleira família num lugar simples, mas de beleza incomparável, o Café com Orquídea (veja em nosso BLOG a matéria Café com Orquídea). O espaço do jardins, varanda e cafeteria foi construído por ele mesmo, com varas de bambus entrecruzadas, e está localizado em Santo Antônio do Pinhal (SP). Sim, no começo, todos são tímidos. Mas, em minutos, ele já me ensina como fazer uma sandália de palha e assim salvar-me de andar descalça numa floresta, cena que o impressionou muito quando viu Perdidos e Pelados na televisão. E, ao lado de um café e uma fatia de banoffee, torta feita com banana, caramelo e chantilly, ele me conta entre risadas e lágrimas sua história de vida. Que é um pouco a sua história, mas também muito da história da gente de fibra da própria Mantiqueira. Viver experiências como essa não tem preço.

 

Foto: Antonio Milton Ito Soares

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